Discurso de Posse do EXMO. Sr. Desembargador José Lisboa da Gama Malcher Biênio 1995/1996
DISCURSO DE POSSE DO EXMO. SR. DESEMBARGADOR JOSÉ LISBOA DA GAMA MALCHER BIÊNIO 1995/1996
Assumimos a Presidência do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro com os olhos voltados para o passado, pois o fluir da vida se apresenta como um processo projetivo; as lembranças e experiências do outrem influenciam o presente e asseguram a busca do futuro.
Lembro-me dos grandes vultos que ocuparam esta Presidência a partir de Gomes Freire de Andrada, o Conde de Bombadela quando criada a Relação do Rio de Janeiro em 1751; até os mais recentes com quem convivi; Martinho Garcez Netto, Aloysio Maria Teixeira, Lourival Gonçalves de Oliveira, Wellington Pimentel, Pedro Américo Rios Gonçalves, Fernando Loretti e Antonio Carlos Amorim; não menciono todos; nestes, apenas, resumo suas preocupações, as horas mal dormidas, seus sonhos e suas realizações, todas que engrandecem esta Casa da Justiça.
Suceder a Administração que não se encerra, mas se projetará no nosso período é tarefa árdua, mas factível; a isto nos anima a confiança dos membros da Corte e a unidade de propósitos que nos cerca: a Presidência e a Alta Direção do Tribunal apenas refletem, nos seus atos e decisões essa unidade; este Tribunal é uno nas suas eventuais divergências que refletem o pensar e o sentir de cada um dos seus membros em face dos conceitos jurídicos e administrativos diante da Constituição, das leis e do ideal de Justiça.
O exercício da Presidência do Poder judiciário implica em decisões predominantemente políticas e administrativas, mas elas se inserem na postura superior deste Órgão Especial, verdadeiro detentor do Poder e, como tal, cabe-nos refletir e executar suas decisões, estas sim, soberanas.
Cumprindo ambas as funções impõe-se a fiel observância e a aplicação dos princípios da moralidade, da legalidade e da impossibilidade que marcaram, singularmente, a Administração do Desembargador Antonio Carlos Amorim, elevando este Tribunal à posição eminente que ocupa entre os Tribunais do país; nesta Casa de distribuição da Justiça sempre se apurou as faltas funcionais de todos, servidores ou magistrados, e se realizou a plena aplicação das normas legais; assim como se reconhece o mérito de cada retribuindo-o com o reconhecimento público e funcional.
Não se admite que quem detenha qualquer parcela do Poder o aplique senão como meio de consecução do Bem-Comum que João XXIII tão bem conceituou como o "conjunto daquelas condições da vida social que permitem aos grupos e a cada um de seus membros atingirem, da maneira mais completa e desembaraçadamente a própria perfeição" e que se materializa, em primeiro lugar pelo respeito à pessoa como tal, resguardando-se sua liberdade e dignidade, como exigência do bem-estar social resultado de um processo de aperfeiçoamento pessoal, funcional e institucional, instrumento necessário para a realização da paz, tida como uma ordem justa e duradoura, que "tem como base a verdade e se edifica na Justiça" na expressão da Encíclica "Gaudium Spes".
Neste particular acentua-se a atividade política do Tribunal, refletida por sua Alta Administração; cumpre detectar as aspirações e os altos interesses da sociedade nacional, para que se possa desenvolver o processo de aprimoramento da Ordem Jurídica e a atuação responsável dos órgãos governamentais, sempre atentos a que o Poder e seu exercício só se legitimam na medida em que, instrumentalmente, se vinculam aos valores básicos da nacionalidade; as instituições só permanecem e sobrevivem diante dessa correspondência.
A Ordem Jurídica brasileira, em muitos e relevantes pontos ainda se distancia desse ideal; é absolutamente necessário que se promova sua atualização; a sociedade exige um Estado ágil, dinâmico e democrático tendo o Homem como princípio e fim das suas atividades. Há que se buscar a eficiência na aplicação do Poder e ela depende de leis que, em todos os níveis, a permitam.
Os Códigos de Direito substantivo necessitam de revisão e os de processo, de ampla reformulação. As leis processuais não podem continuar como fatores de retardamento na solução dos conflitos, atividade fim do Poder Judiciário; os Estados federados precisam utilizar a permissão constitucional e legislar acerca dos procedimentos judiciais, adequando-os às realidades regionais utilizando os mais modernos meios de comunicação, registro e transmissão de dados; há amplas reformas estruturais que não mais podem esperar; a sociedade o exige: sei e confio que os Poderes Executivo e Legislativo também anseiam, neste momento histórico, que elas se realizem; e o apoio maciço da vontade política deste Tribunal me respalda na constante busca desse ideal.
A existência de um ordenamento jurídico adequado à realidade social é condição necessária para a realização do Bem-Comum; e sendo o Poder Judiciário, como componente da Expressão Política do Poder, também uma categoria Jurídica, sua eficácia e eficiência dependem, decisivamente, das normas jurídicas que o institucionalizam, lhes dá a forma e permitem sua operação. Avulta pois a imperiosa necessidade de se reformar o Código de Organização e Divisão Judiciárias, o Regimento Interno do Tribunal, o Regimento de Custas, a imediata criação de órgão de apoio e pesquisa aos magistrados ¿ com oferta atualizada de elementos de Doutrina, Jurisprudência e Legislação atualizada, para que bem se possa decidir os variados e inúmeros conflitos de interesse trazidos pelas partes à barra dos juízos e Tribunais.
A divisão judiciária apresenta distorções causadoras de expressivo desperdício de recursos humanos, materiais e financeiros; há Comarcas de pouco movimento forense enquanto, com outras, faltam Juízes, órgãos cartorários e servidores devidamente selecionados, formados e treinados convenientemente para as funções que exercem. A regionalização desses serviços permitirá a melhor eficiência dos serviços judiciários, regionalização que deve ser acompanhada pela descentralização de órgãos recursais e de serviços administrativos de apoio.
Na busca da eficiência, que implica no racional emprego dos meios, releva considerar a qualidade dos serviços judiciários e das decisões jurisdicionais tendo por base amplo planejamento e um sistema eficaz de Controle, enquanto necessário, para se aferir não apenas a quantidade das decisões judiciais mas, também, e principalmente, sua qualidade, elemento preponderante e objetivo na aferição do merecimento, critério básico no processo de ascensão funcional.
A Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro, Órgão deste Tribunal e ligada diretamente à sua Presidência é importante elemento formador da qualidade da magistratura fluminense: além de preparar os futuros magistrados, deve desenvolver amplo programa de atualização e aperfeiçoamento da magistratura; em outro nível, visando profissionalizar os quadros administrativos, qualificá-los, aperfeiçoá-los e especializá-los a Escola de Administração dos Servidores da Justiça ocupa lugar de destaque, a merecer nossa preocupação.
Aos servidores desta Casa, aos serventuários da Justiça, aos seus órgãos representativos e de classe devo reafirmar o reconhecimento de suas dificuldades e do esforço que sempre despenderam em prol da Justiça; conheço suas angústias, sei de suas justas reivindicações e reconheço a importância de se estabelecer um Plano de Cargos e Salários que apresente soluções para as distorções existentes e permita a Administração recompensar o mérito assegurando as promoções mediante seu justo reconhecimento.
A constituição Federal assegura a independência do Poder Judiciário garantindo-a pelo reconhecimento dos predicamentos tradicionais da vitaliciedade e inamovibilidade dos magistrados e da irredutibilidade de sua remuneração; estas garantias, explícitas no art. 95 da Constituição Federal, não se realizam concretamente senão pela observância dos princípios contidos no art. 93 da mesma Carta Política, de obediência obrigatória pelo legislador complementar. Sempre que se pensa em reformar ou emendar a Constituição Federal, nuvens sombrias se apresentam, muitas delas encobrindo ressentimentos, preconceitos e até mesmo interesses contrariados. Contra elas aprendemos a força da persuasão e a majestade das nossas togas.
A independência do Poder Judiciário, sua autonomia administrativa e financeira são fundamentos de sua existência e condição da soberania de suas decisões que espelham não o atendimento a situações momentâneas, mas o primado da Ordem Jurídica, cuja defesa e observância acabamos de prometer.
Situações conjunturais de emenda à Constituição não hão de levar esta Nação a alterar a Organização do Estado brasileiro para atender objetivos menores, comprometendo os únicos e verdadeiros objetivos nacionais na construção de uma sociedade livre, justa e solidária, edificadora da Paz social e promotora do Bem Comum.
Agradeço a presença das Altas Autoridades que aqui vieram para prestigiar esta Corte da Justiça, num preito de reconhecimento aos relevantíssimos serviços prestados à Nação pela extraordinária administração do Desembargador Antonio Carlos Amorim, por seus Vice-Presidentes os Excelentíssimos Senhores Desembargadores Hermano Duncan Ferreira Pinto, Américo Augusto Guimarães Canabarro Reichardt e Áurea Pimentel Pereira; pelo Corregedor-Geral da Justiça Desembargador José Domingos Moledo Sartori, pelos membros das Comissões de Regimento Interno e de Legislação, e pelos Excelentíssimos Senhores Desembargadores que compõem o Colendo Conselho da Magistratura.
Agradeço a Deus ter como base e núcleo da minha vida uma família cristã, formada pelo amor de minha mãe, pela saudade de meu pai, pelos princípios morais que recebi de meus avós e de meu padrasto que orientaram meus passos até a maturidade; por meus irmãos, um deles também magistrado e, basicamente pelo amor e pela doçura da minha mulher, Leda, que acalenta meus sonhos, os cobre de paz e anima toda a minha vida. Aqui estão meus amigos, meus filhos, minhas noras e meus netos; eles são a projeção de meus princípios e a certeza que guardo de que sempre neles permanecerão.
Que o Espírito Santo permaneça sobre esta Casa; que Deus a guarde para sempre.
Fonte:
Revista de Direito do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, Nº 20 ¿ 1994, Julho/Setembro, Noticiário, p.375 a 377.